sábado, 20 de fevereiro de 2010

Da rúbrica "Conspiradores descontextualizando escutas"

V

10 Os elementos disponíveis e conhecidos apontam no sentido de que, das pessoas envolvidas nas escutas, apenas o Primeiro-Ministro é titular de um cargo político. As restantes exercem, em diversas qualidades, a sua actividade profissional nas áreas empresarial, económica e financeira ou da comunicação social. Esta circunstância não obsta, como dissemos, a que, se for caso disso, possam igualmente ser responsabilizadas, de acordo com o disposto no artigo 28º do Código Penal, pela prática do crime de atentado contra o Estado de direito, p.e p. pelo artigo 9º da Lei nº. 34/87, de 16 de Julho.

O conteúdo das dezenas de produtos revela procedimentos utilizados entre agentes económicos e financeiros, que poderão estar relacionados com empresários e jornalistas, numa ligação, porventura, pouco transparente. É, aliás, conhecida a apetência das forças político partidárias pela influência nos meios de comunicação social.

Este quarto poder ou contra poder como alguns lhe chamam é, efectivamente, um importante instrumento na transmissão e divulgação de ideias políticas.

Ao Procurador-Geral da República não compete, contudo, analisar eventuais responsabilidades políticas.

Questão diferente é a da responsabilidade criminal, a de saber se os elementos probatórios coligidos, nomeadamente os trechos das escutas que acabámos de realçar, ultrapassam os limites geralmente aceites do relacionamento empresarial e da luta político-partidária e contêm indícios de prova que justifiquem a instauração de procedimento criminal pela prática de crime de atentado contra o Estado de direito, p. e p. no artigo 9º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.

Consideramos que não.

10.1 Não se vê nos trechos das escutas constantes das diversas alíneas do n.º 8 indícios de tentativa de destruição, alteração ou subversão do Estado de Direito, como exige o tipo legal de crime em causa.

A compra pela PT de capital social da Media Capital (dona da TVI) é abordada com algum detalhe em conversações que Rui Pedro Soares mantém com Armando Vara e Paulo Penedos.

Uma delas [produto n.º 460, alínea g) do n.º 8] assume relevo neste contexto, atentos o seu conteúdo e a ênfase que lhe é conferida no despacho de 22 de Junho de 2009 do Procurador da República do DIAP da Comarca do Baixo Vouga.

Nesta conversação (efectuada a 21 de Junho de 2009 de Rui Pedro Soares para Armando Vara) é sobretudo o primeiro que informa o segundo dos termos do negócio projectado e responde às suas perguntas (sobre o destino de José Eduardo Moniz, sobre o financiamento, sobre "como é com o poder" ou sobre a situação de Manuela Moura Guedes). É neste quadro que surge a afirmação de que "Armando Vara mostra-se preocupado com as consequências se se souber que há esquema", acrescentando-se logo a seguir que "Rui Pero confirma que 'nós não estamos inocentes nesta coisa do Benfica' e que fez com que isso desgastasse José Eduardo Moniz".

Quando nesta conversação se fala em "esquema", pretende-se, no contexto, abranger, nas suas diversas componentes e implicações, tão-só o negócio PT/PRISA. Ora, não se pode descontextualizar a expressão nem atribuir-lhe uma dimensão conspirativa - traduzida na "existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo para interferir no sector da comunicação social" - que, abranja igualmente propósitos de interferência na titularidade dos jornais Correio da Manhã e Público.

Na verdade, não se mostra que a referência incidentalmente feita a estes dois jornais na parte final da conversação mantida entre Rui Pedro Soares e Armando Vara reflicta o propósito mais vasto de um "plano" de interferência na comunicação social por parte do Governo, com o objectivo de restringir ou cercear a liberdade de expressão e de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito.

Em primeiro lugar, nas referências, explícitas ou implícitas, feitas ao Primeiro-Ministro nos produtos das alíneas a), g), l), m), o), p), s), f), u), v), e z), do n.º 8 não existe uma só menção de que ele tenha proposto, sugerido ou apoiado qualquer plano de interferência na comunicação social. Não resulta sequer que tenha proposto, sugerido ou apoiado a compra pela PT de parte do capital social da PRISA, tal como se não mostra clarificado o circunstancialismo em que teve conhecimento do negócio. Ao invés, há nas escutas notícia do descontentamento do Primeiro-Ministro, resultante de não terem falado com ele acerca da operação; "devia ter tido a cautela de falar com o Sócrates... não falei e o gajo não quer o negócio. Era isto que eu temia. Acho que o Henrique não falou com ele, o Zeinal não falou com ele... eh pá... agora ele está 'todo fodido'. 'Está todo fodido e com razão'" [n.º 8, alínea u), produto nº 5291, de Rui Pedro Soares para Paulo Penedos; v. ainda os produtos das alíneas x) e z)].

Quanto a tal negócio, é citado nas escutas um outro membro do governo, nestes termos: "o Lino diz que não quer saber, que decidam o que quiserem... ninguém se atravessa... o Zeinal faz o que quiser, se quiser faz o negócio se não quiser não faz o negócio" [n.º 8, alínea v), produto n.º 5292, de Rui Pedro Soares para Paulo Penedos].

Em segundo lugar, sem prejuízo da enumeração da alínea m) do n.º 8, o produto n.º 460 insere a única alusão feita nas escutas ao jornal Público. Quanto ao Correio da Manhã, refere-se no produto n.º 4051, de 17 de Junho de 2009 [n.º 8, alínea c)] que o próprio Paulo Fernandes "estava a tentar comprar esses 30% da TVI"; "não conseguindo... está disponível para vender o Correio da Manhã"; nos produtos nº 607 e 620-624, de Fernando para Armando Vara, todos de 24 de Junho de 2009 [alíneas p) e q)], fala-se na compra deste jornal, mas numa perspectiva de reestruturação do grupo Ongoing e do acautelamento dos créditos do BCP e CGD sobre Cofina.

Há ainda a menção a "um dado novo - as rádios vão ser compradas pela Ongoing e pelo genro de Cavaco" [n.º 8, alínea r), conversação de Rui Pedro Soares para Paulo Penedos], menção pontual e de todo inconsistente.

Como falar, perante estes elementos, na "existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo para interferir no sector da comunicação social"?

10.2 Não se ignora que o Jornal Nacional de 6ª da TVI (e, em menor escala, também o jornal Público) foram objecto de viva contestação por parte de elementos do Partido Socialista (e do próprio Primeiro-Ministro), sendo de admitir que estes meios de comunicação social terão, eventualmente, sido objecto de pressões no sentido de não adoptarem uma linha editorial hostil ao Governo.

Não pode, porém, confundir-se a adopção (pelo partido e membros do Governo e pelos partidos da Oposição) de procedimentos comummente aceites no sentido de se obter uma "imprensa favorável", com o recurso a comportamentos criminalmente puníveis. Ainda que se fale de "interferências" (termo amiúde utilizado por agentes políticos, como se vê nos recortes de imprensa), entendemos que a tentativa de alteração da linha editorial de um órgão de comunicação social, a ter existido [cf. n.º 8, alínea f), produto n.º 4420] não pode ser confundida (nem quaisquer elementos de prova apontam nesse sentido) com o propósito de subverter o Estado de direito.

10.3 Outros produtos, resultantes nomeadamente de conversações entre Paulo Penedos e Rui Pedro Soares, incluem referências a contactos havidos entre elementos da PT e da PRISA.

Mas também não existe nos elementos disponíveis qualquer referência a acções ou omissões de titulares de cargos políticos ou de outras pessoas, que se mostrem de algum modo idóneos para "tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República" (artigo 9.º da Lei n.º 34/87).

10.4 Interessa frisar um último aspecto.

Resulta da análise global dos documentos recebidos que a operação PT/PRISA tanto é objecto de menções equívocas, por ex. ao nível de engenharia financeira que lhe estaria associada [n.º 8, alíneas a) e b)] como é justificada em termos económicos e empresariais, quer por analistas [n.º 8, alínea ee), produto n.º 5565], quer pela PT, designadamente pelo presidente do Conselho de Administração, afirmando-se que a sua não concretização "parte do cumprimento de ordens contra os interesses da empresa "[n.º 8, alínea z), produto n.º 5432]" e que é escandaloso como é que não somos nós a comprar e vai ser a Cofina ou a Ongoing" [n.º 8, alínea aa), produto n.º 5467].

Não obstante ter sido insistentemente justificado em termos empresariais por altos responsáveis da PT, o negócio com a PRISA acabou por não se concretizar, por, no exercício dos direitos resultantes da golden share por parte do Estado, ter sido inviabilizado pelo Governo, vindo, mais tarde a Ongoing a assumir uma posição accionista na Media Capital.

Conclui-se assim, que:

a) Não existem no conjunto dos documentos examinados elementos de facto que justifiquem a instauração de um procedimento criminal contra o Primeiro-Ministro José Sócrates e/ou qualquer outro dos indivíduos mencionados nas certidões, pela prática do referido crime de atentado contra o Estado de Direito;

b) Entregues que se encontram as certidões e CD's ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, aguardar-se-á que se pronuncie sobre os actos relativos à intercepção, gravação e transcrição das conversações e comunicações em que intervém o Primeiro-Ministro.

xxx

A parte decisória do presente despacho vai ser divulgada pelos meios de Comunicação Social nos termos do artigo 86º n.º 13 do Código do Processo Penal.

A fundamentação do presente despacho manter-se-á abrangida pelo segredo de justiça enquanto o processo de onde foram extraídas as certidões estiver sujeito a tal regime.

Por confidencial envie-se a cópia ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ao Senhor Procurador-Geral Distrital de Coimbra.

18.11.2009

O Procurador-Geral

da República

Fernando José Matos

Pinto Monteiro
no DN


"Devia ter tido a cautela de falar como Sócrates" sobre o quê, mesmo?

Aliás, nem se nota nada a preocupação em escolher frases, expressões e citações nada ambíguas.

E curioso isto aparecer no DN, jornal da Controlinveste e do amigo Oliveira.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Tecnologia chega ao Direito

O Requerimento tem o prazer de anunciar as novas versões de Códigos Jurídicos, pensadas especialmente para os alunos que têm alguma dificuldade em decorar os números de artigos, e que dão imenso jeito para as orais.
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A versão Pro (469€) é mais complexa, mas vale a pena o dinheiro investido. Coloca-se a questão, e os resultados vêm já ordenados de acordo com a estrutura da resposta e artigos que devem ser citados.



Para quem não tem meios para os comprar, há uma lista que os vai distribuir de borla em troca de um voto. Mais notícias em breve.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Do mundo jurídico VS o mundo lá fora

Grande parte dos problemas na compreensão popular do funcionamento da justiça é a falta de conhecimentos de Direito. O que até não é necessariamente criticável.

Mas quando uma jornalista que está a entrevistar um juiz e um jurista sobre questões de Direito, diz algo do género...

"Mas que país é este, enfim, em que a justiça é de uma maneira para uns, de uma maneira para outros, ninguém se entende sobre o que de facto diz a lei, sobre o espírito da lei eventualmente, sobre a letra da lei... Como é que isto é possivel? Um diz uma coisa e o outro o contrário, muitas vezes... "

... algo não bate certo. (Se bem que me desse jeito haver apenas uma doutrina. Bora seguir o Menezes Cordeiro e declarar todos os outros insignificantes? xD)


É por isso que eu não gosto de jornalistas, quase por princípio. É uma profissão que devia exigir um domínio geral de amplas áreas de conhecimento, mas o que acontece é exactamente uma ignorância geral sobre a maior parte das áreas do conhecimento. E arranjarem consultores jurídicos, não?

Para quê?!